- No outro dia vi a menina a atirar-se.
Viro-me. Um homem, dos seus setenta anos, observa-me.
- Estava longe. - diz-me. - Não pude alcançá-la. Fui para casa a pensar nisso. Mas com uma queda destas, nada havia a fazer. O que a levou a fazer aquilo? Como conseguiu?
- Não sei... - digo-lhe. - Não me recordo.
- Digo-lhe já. Teve muita sorte. A menina foi abençoada com esta dádiva. Sobreviver...
Ato a minha túnica a uma pequena mala que possuo e que me acompanha sempre. Permaneço em silêncio.
- O meu nome é Jonas. Moro por detrás daquele pequeno monte com a minha mulher. - aponta na direcção. - Temos uma casinha, horta e ovelhas.
Sorrio.
- Porque não vem um dia lá jantar? - pergunta-me. - É uma casa humilde mas comida não lhe faltará. E uma cama se precisar. A minha Rosa faz uns queijos das nossas ovelhas que digo-lhe, menina... Qual a sua graça?
- Esperança.
- Bom, menina Esperança como estava a dizer, os nossos queijos são divinais! Apareça! Contei à minha esposa que vi uma moça a atirar-se do rochedo. Olhe que a pobre ficou a noite toda a pensar nisso. Mal dormiu. Queria que ela visse que estava bem. Que estava viva! Seria uma alegria enorme!
Os olhos do homem, negros e grandes, humedecem. Noto-lhe uma tristeza enorme. Ele observa o mar...
- Sabe, nós perdemos um filho neste mar. - a voz treme-lhe. - Era pescador. Tal como eu fui. Nunca quis essa vida para ele, mas teimoso... Seguiu-me as pisadas. Gostava daquilo. Íamos os dois e mais sete na minha pequena embarcação. O "Glória". Bons tempos esses. Muito peixe...
Faz uma pausa enquanto retira um lenço do bolso das calças gastas. Limpa os olhos.
- Um dia combinou com dois amigos. Ele era experiente os outros não. Mas nem foi por isso. A tempestade. O barco virou... Menina, não sabe o desgosto. Os três morreram. A minha mulher e eu... Ai menina... Vendemos tudo o que nos recordasse da nossa vida no mar. Comprámos aquela pequena casa e... O nosso Tomás... O desgosto, menina, o desgosto...
E chora.
O corpo dele treme da angústia. Chora compulsivamente. Aproximo-me e pouso-lhe a mão no ombro.
- Terei todo o gosto em comer os vossos queijos... - digo por fim.
E ali, naquele rochedo, de onde me atirei para o vazio, tornei-me na Esperança...
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